Cidade de Santa Imbecilidade, 30 de setembro de
2011.
Tok - tok - tok -
tak - tok tak......
A cada dois minutos e vinte e três segundos a
cena se repete nas estações de embarque: Um grupo sobe, uma vaga desce;
nas escadas ou corredores dar-se o enfrentamento diário - parece começar
ali a luta pelo emprego, Alguns perpassam com tamanha sobriedade que
intimamente nos faz questionar: onde estão os hipócritas, os usurentos, os
pelegos, os falsos santos? O segredo das bocas, olhares que fogem uns dos
outros, faces carregadas, o espasmado sigilo dos lábios dá tom de templo às
estações - nada difere, pois são essas figuras que lá se encontram para
curar-se do tédio e da monotonia da vida em sociedade carregado de protocolos.
Este segredo é quebrado por estalos dos saltos femininos
e pelo constante pianista voluntário junto aos bloqueios; quis parar, ouvir uma
interpretação de Nicolai Korsakov dia desses, mas o dever me arrastava. De lado
o solo dissonante (calçados e piano) sobra o silêncio aterrador das faces
soberbas certas de que tem algo muito importante a realizar nesse dia igual ao
de ontem e nada diferente de amanhã ao menos pelos próximos 30 anos (tempo
médio para aposentar e morrer).
Seguem se trilhas, o ir e vir, movimentos
ritualizados, momices que assemelham a um arrebatamento, ausência,
ou simplesmente empáfia, não se sebe o que há sob a tez enervada e rígida
do proletariado.
Esta conjuntura me lembra de duas situações do
campo. I - a vida das formigas que trilham caminhos infinitos com determinação
equivalentes a dos leões, determinadas - nada pode detê-las; II - a lida com o
gado, a forma com que as pessoas caminham, a determinação no passo a cada
instante mais firme, a capacidade de manter-se distante um do outro como que em
estado alheamento, sem, contudo debandar da circunferência; essa é a condição
do gado.
Nas estações de embarque ficamos muito parecidos
estes dois elementos da natureza, mais próximos do vacum por conta da
incapacidade de reordenação, do vício autômato em transferir a responsabilidade
para quem a queira; quanto as formigas no sentido do amplexo as atribuições: o
humanóide trabalhador da cidade grande sabe seu papel e usa de habilidades
inimagináveis para realizar suas tarefas. Diga-se de passagem, acho que as
formigas são tayloristas ao extremo, acho também que poderíamos chamar o
taylorismo de “formiguismo”. Outra situação que nos faz sentir um vacum nas estações
de embarque são as cercas, os corredores e os empurrões que nos colocam na
outra lateral do carro ao tempo de dois movimentos (involuntários claro) de um
pitosga.
Tudo lembra a vida na roça, o problema é que aqui
faço parte da manada e não a comando.
Rumamos em horários sistematicamente definidos,
nos portamos (e temos de nos portar) obedecendo a estereótipos fabricados pelo
taylorismo e outros "ismos". `Parece efeito extensivo do que se
aprende no trabalho; nos corredores das estações já ensaiamos a ação dos
principais métodos de Taylor: Evitar comportamento supérfluo, não desperdiçar
tempo e aumentar a produtividade (andar rápido), entre outros; tais conceitos
tomam conta da mente assim que encontramo-nos nas estações como tropel, não se
tem mais nada na cabeça a não ser não chegar atrasado e evitar a cara torcida
do gerente que também ensinado por Taylor julga-se, realmente, superior em
todos os aspectos. Este não compreende a semelhança das relações humanas ao plexo e a partir disso a vantagem fabricada
por circunstâncias diversas sua posição (Se for gerente e não entender de
imediato esta frase abandone o cargo vá para a linha de produção).
A ausência, a incompreensão da realidade se dá
(às vezes) pela vida inteira dos indivíduos. Os sintomas que apontam à
inexistência de autonomia mental passam, entre outras, por consumismo,
modismos, peleguismo e novas variantes de 'ismos".
Para atenuar os efeitos dessa concepção que,
inevitavelmente, tem limitado os indivíduos inclusive em suas relações
interpessoais surgiram paradigmas alicerçados em correntes psicológicas
humanistas bem aceitas pelo empresariado, pois um funcionário feliz rende
mais... Esse Ieieieiê não ajuda se o proletariado entender as frias intenções
colocadas na base do estímulo - reposta; para os que não entendem... "tudo
é lindo e vivas ao capitalismo"!
A tenção dos estalões é minimizar a mecanização
da mente.
Constantemente alicerçada em peças mercadológicas
de igualdade social para convencer o empregado que seu feito é motivo para
alegria, pois vives cidadão na conquista de plenos direitos; tem um emprego,
deve ser e estar bem a partir disso e se não o tem deves te preparar com
dezenas de diplomas, pois o mercado é exigente; basta ceder aos movimentos dos
fabricantes dos títeres.
Além disso, temos três grandes movimentos
agressivos e daninhos a autonomia dos sujeitos que de fato são os fabricantes
das marionetes sociais; naturalizados parecem o melhor caminho: O primeiro o
Estado e seu positivismo economicista; o segundo os livros de auto ajuda com
sua dubiedade, proposições não se sabe se materiais ou celestiais; o último
alimentado das ideias de Taylor[1], carregado do positivismo estatal e dúbio
como a insuficiência dos professores do sorriso fácil (ou "falso":
profissional da auto ajuda): É o positivismo empregatício defendido no canal
oficioso como mais um reality
show.
Essas mentalidades são apoiadas em várias
vertentes sociais fixadas no ideal de homem e sociedade produtiva maquilada na
pecha invisível (ou visível a poucos) homem serviçal do Estado.
A questão colocada é: se nós somos o Estado temos
de entregar nossa mente também e para quê? Para que em seguida tenhamos de
suplicar seus favores? Novamente a concentração das vantagens conturbando o bem
que não é comum.
Do taylorismo mascarado em outras formas de se
dizer que “renda mais” os indivíduos da atualidade soçobram na idiolatria ou na
idolatria, a segunda é mais frequente, isto é, a primeira é para os ricos a
outra é para os pobres que presos a obediência pouco reflete sobre si e sua
condição de construtor de riquezas alheias.
Noutra ponta o Estado se diz laico, mas serve-se
muito bem das limitações gerenciadas pela idolatria. Adora-se de deuses
diversos a times de futebol – estes têm o Estado como principal patrocinador,
logo a máquina estatal aproveita-se da bolha de ignorância em que permanecem
esses grupos.
O campo de visão do fanático são as
eventualidades de sua causa maior: Sua fé no sobre natural ou no heroísmo dos
12 gladiadores numa arena indo e voltando atrás de bolas e centenas de
dinheiros buscando o estrelato, meteórico quase sempre (felizmente!) e dando
mote a uma população absorta e estática.
Diante do positivismo estatal penso que
Vespasiano ainda está entre nós (daí um bom tributo para que tenhas alegrias:
pão e circo para todos). Esta é a função do Estado fazer com que funcione a
engrenagem e às vezes somente deixar funcionar para que todos se sintam bem. Os
que ganham, os que querem ganhar e os que pensam que estão ganhando, todos
embevecidos dos seus próprios desejos caminham bem combinados pela vida.
Para os indivíduos que não se enquadram em nenhum
tipo de fanatismo são oferecidos em prateleiras suspeitas (a baixo custo)
livros de autoajuda – todos de conteúdos ambíguos: um cruzamento de um bom
samaritano com uma patricinha emergente, isto a bondade e a vontade de ficarem
ricos – amalgamados. O resultado é algo monstrengo, um ser com duas faces,
indeciso, não sabe se esfola ou ama o próximo.
Certo dia a pedido de uma amiga que sabe de minha
aversão a livros deste caráter e tenta me convencer do contrário li duas
páginas: piorou. Augusto Curi. Um nome da moda deste balaio dizia horrores
sobre como portasse para conquistar a felicidade interior e em seguida a
material. É pura contradição: diz ser acadêmico, mas confronta sua formação com
religião e coloca a ciência em xeque diante da fé. Deveria ser apóstolo; mas
não pode ser apostolo porque defende a busca da boa aventurança fazendo um
silogismo tosco onde o caminho seria a resignação, a entrega e consequentemente
as conquistas, principalmente as materiais, vislumbradas em narrações
alegóricas; também não deveria dizer-se acadêmico, subjuga sua formação não
deviria gabar-se dela: É confuso. Esquece ou não sabe que a ciência não compete
com a fé para justificar-se. Dá receitas diversas de felicidades, mas não conta
sua rotina nos livrecos oníricos, pois não segue, nem vive o que prega, sua
fala falsifica antigos numes
(santos). Ocorre-me que estes elementos são outros tipos de proselitistas que
dizem o que seu povo quer ouvir no intuito de “faturar o seu” e que tais
leituras podem servir bem a analfabetos funcionais que pouco querem ou podem
refletir sobre o que foi dito, porém esta é só uma das bases que mantém os
operários longe dos questionamentos complexos e inserido no condicionamento
vacum. Poderia escrever sobre a emancipação política do indivíduo, sobre o
ocaso do planeta, não deve ser capaz, talvez não venda tanto...
O positivismo empregatício alardeado pela mídia e
pelo Estado é outra base. Temos sempre um Mestre – estrela do canal oficioso –
na verdade o canal oficioso forma o monopólio ideológico para atingir o povo de
cá de Santa Imbecilidade. Nisto Max Gehringer é o
alter ego do patronato. Suas ideias produzem bonecos melíficos para responderem
as dinâmicas no momento da seleção de emprego. Quando este faz suas aparições
todos ficam atentos; usam seus famosos vídeos em empresas para dizer ao
funcionário o que deve fazer para “ser feliz” ali, pois suas ideias são
infalíveis. Excelente conselheiro condiciona o sujeito da entrevista às
decisões a tomar no dia a dia - se fica ou numa na empresa. Na prática o que se
ensina são respostas hipócritas a seres autômatos completos da falsidade
exigida nas relações de trabalho. Não podemos obliterar o apoio sindical que
cria contribuições mil esfacelando ainda mais o "salário micro"
alegando defesa do trabalhador, vai saber...
Preferir as ideias de Marx, Althusser (a tradução
mais completa e controversa do marxismo) ou Nicolau Maquiavel (discordo de nada
que ele diz, mas vejo as lideranças o assimilam como doutrina) denota não
gostar do "jogo de faz de contas" das relações trabalhistas -
constantemente impregnadas dos três padrões de positivismo (citados aqui) qual
dão base ao modelo atual - não agrada. Ler Maquiavel o livro do patrão e
rejeitar Max Gehringer criador do manual do empregado, não entender
Augusto Curi ou Paulo Coelho para ser um truão bem executado, deixar a
realidade de lado e viver seu onirismo estólido numa sociedade (pré-moldada)
viciada na vantagem - significa estar fora da bolha da felicidade. Onde
esquecemos que a divisão de classes pauta-se nas relações fundadas a partir do
trabalho e todos fingem que estão se ajudando, porém na verdade é mais um jogo
- o jogo da realidade: o da exploração.
O diferencial desta sociedade é que não é tanto
estamental como as anteriores, no entanto apenas refinou seu modelo de suprimir
o outro com requinte fazendo o indivíduo pensar-se governo de suas causas.
Para que digo isso? Quem quer saber de ontologia?
Essa rendição ao positivismo da exação,
empregatício ou da auto ajuda seria impraticável para um socialista-verde que
não considera nenhum ser superior ao outro e entende que na pretensão de
superioridade nasçam as ignominiosas (por que eles dizem saber dum caminho melhor
que o seu, quem os guiou?); também o apego inútil a bens materiais projetores
de poder nada vale se a consciência não está leve. Todo "ter" é
inútil se os semelhantes não usufruírem também. Para um socialista o materialismo
dialético é o melhor caleidoscópio e seu único sentido é o bem comum.
De onde vem esse encanto positivista que dá mote a
um mundo calhorda que não desiste de sua utopia e torna utopia o que é simples
o que é humilde o que é justo? Mas o que é simples, humilde e justo?
Bom! É hora: Ouvir o tok tok dos sapatos e saltos
no piso das estações, entrar nos corredores, ser empurrado, assistir o
desenvolvimento das ideias dos positivistas, zombar os mandamentos dos pelegos,
rir e lamentar tanta alienação, lembrar de teóricos e escrever para um amigo
imaginário marciano e comunista até que surjam novas realidades herculanas.
Abraço
Prometeu n° 12031973
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