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Cidade das máquinas: a morte de um humano crônico.

      Um sujeito introspectivo, face impávida, olhar penetrante, parecia absorver do outro o que é de fato além de sua sombra que perambula pelas ruas, pois sempre dissera que o que somos não é para que o outro saiba e essa interrogação que mostramos seja nossa grande defesa. Via nas sombras então. Era assim que percebia alguns transeuntes sociais. Sombras que desejam,  que buscam. Que não sabem porquê nem para quê.
      Pensava sobre as questões: da água, do clima, na seca, na usura um dos motores da sociedade.
Desembarcou do coletivo. Seguiu. Notou o lixo na calçada dita mais nobre e elegante da cidade de "São Parvos¹". Olhou em volta. Via uma miragem, tudo estranho, mas não muito diferente dos últimos anos. Pessoas robotizadas, movimento apressados, trágicos e cômicos, no lugar das cabeças cifrões enormes. Óculos escuro para disfarçar a empáfia. Uma quimera do alter ego dos indivíduos.
      Continua a andar. Cruza dezenas de figuras esquálidas. Observa um motorista de um coletivo - lia um daqueles jornais distribuídos nos semáforos (um esboço de jornal, notícias onanísticas), faltos, recheados de propagandas, afinal é feito para consumidores e não para pensadores. Segue... Lembrava que na cidade de São Parvos o povo se diverte das formas mais toscas possíveis: pagam para sentir medo em parques de diversão, escalam paredes em galpões e acham isso emocionante, passam o dia na piscina e se sentem os novos régulos;  enfrentam congestionamentos quilométricos para irem queimar-se numa praia, dizem que estão curtindo a vida; alegrias a parte o clímax, o  grand finale   é o dinheiro e a promoção no emprego.
      Suas crianças crescem em creches (quando pais assalariados) ou num mundo fantasioso (escolinhas particulares) indicado pela ociosidade mental dos pais que estão com a vida ganha e querem faturar mais, desses que podem viajar o mundo uma vez ao ano e mais algumas benesses. Vivem em condomínios, se sentem os melhores, bem aventurados, pois existe uma turba fora do luxo sobrevivendo como pode, mas procriando como coelhos chineses; parece que até as autoridades esqueceram-se das lições de Malthus². O caminho do homem pronuncia-se autofágico - isso é irreversível.
      Pensa ainda sobre os bem sucedidos, casa, carro, fruto de financiamentos longevos, mas podem dizer itens próprios, talvez essa vantagem sobre a maioria lhes dê esse ar de superioridade que ao entrar em seus carros parecem invencíveis, investidos naquela armadura dirigem como robôs, uma peça morta viva guiando uma máquina.
      Anda. Repensa as ignomínias da humanidade em valorizar em excesso as convenções para ficar rica em detrimento a valorização da subjetividade e do conhecimento como propulsores de vida e dignidade. Ouvi dos microfones de uma sindicalista líder da greve: ..."Até a década de 90 era digno ser bancário. Agora somos equivalentes a comerciários (...)" Não quis entendê-la. Era comerciário, mas se perguntou: bancário é gente ou um boneco do banqueiro para manipular volumosas quantias? pois os robôs ainda não sabem vender pacotes de serviços e planos de capitalização! Agora não mais são gente por parecer comerciários? Tudo bem... Não via mudar entende-la.
      Caminha. De súbito é lançado a vários metros distante, agoniza na calçada.
      Calçada que preferia andar a usar o carro, carro que não comprou por achar inútil ter de pagar metade de seu valor em um ano somando imposto e baixa manutenção (má fé do Estado), além de poluir a cidade. Cidade que enxergava como máquina gigante devoradora de homens, autômatos, vítimas do insólito frenesi. Máquina que se alimentava da subjetividade dos sujeitos, nada lhes oferecendo em troca.  Subjetividade que cala-se diante da objetividade de uns em buscar cifrões desesperadamente. Atropeladores de vidas.
      Fenece um humano crônico - vítima de uma vítima do tacho capitalismo, do consumismo estático, da ostentação, da soberba dos que pensam que existem formas humanas diferenciadas, das limitações de sistemas que formam máquinas em universidades e não seres que respeitam a diversidade cultural e as diferenças entre as pessoas, sujeitos pesam poder comprar alegrias e correm em suas cápsulas anestesiados e gananciosos. Não tardam dão seus encontrões e afastam da vida alguém que só queria viver sua simplicidade,  mas quem se importa com a vida humana na cidade das máquinas?
 

1. Paródia ao nome da cidade que mora.
2. Thomas Robert Malthus. Economista britânico 1766 - 1834.

Comentários

  1. Ainda bem que só um morreu. Com certeza temos milhões de "Humanos Crônicos" espalhados neste mundo. E a "Masterpiece" que intitula este site deve continuar a escrever e inspira esses leitores, independente de onde estejam.

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  2. Verdade, mas infelizmente morremos a todo instante observando a ganância de um sistema planejado onde somos marionetes...

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